
Ser educador
Sou educador, mais educador que professor. Apesar de sinônimos no dicionário, as palavras educador e professor possuem significados diferentes. Professor é aquele que professa, ou seja, fala, declara algo, em público. Aí combina com a palavra aluno, do latim “sem luz”, ignorante, sem conhecimento.
Já educador tem origem no grego “educere”, que significa “tirar algo de dentro”. Parte-se do princípio de que o estudante não é uma folha em branco na qual podemos escrever o que quisermos, mas que já possui conhecimentos e capacidade cognitiva e cabe ao educador ajuda-lo a desenvolver aquilo que ele já tem. Então, ao invés de aluno, prefiro educando. Ou estudante.
Não vejo meus educandos como uma folha em branco, e quando entro em uma sala de aula sei que nenhum deles caiu de pára-quedas do nada. São pessoas como eu, de carne, ossos e sentimentos. Cada um tem sua história de vida, seu caráter, sua personalidade, suas tendências. Trazem de casa a educação recebida dos pais, aliada à maneira de ser e agir que lhes é própria.
Não estão prontos (nenhum de nós está), precisam de orientação nos mais variados assuntos. Precisam de limites, pois vivem numa pequena comunidade, a turma, e a vida em comunidade, qualquer comunidade, precisa de regras e normas de convivência. Vivem ainda numa instituição, a escola, que também possui suas regras. E vivem ainda em uma sociedade, e a vida em sociedade exige uma infinidade de adaptações, de respeito, de conhecimento das leis que a regem.
A escola é principalmente um lugar de conhecimento, mas não só. É um lugar de pessoas, e pessoas falam, divergem, brincam, discutem, se desentendem, se magoam, se emocionam... Educadores e educandos não fogem à regra. Brinco com meus educandos, me desentendo com eles, me magôo, me emociono, divirjo, concordamos, rimos, debatemos. Mas cada um tem seu momento e forma de se expor. Existem regras que precisam ser seguidas, e o respeito é fundamental. Quando alguém transgride a regra, precisa ser punido. Pode ser uma advertência oral, escrita, ou até uma suspensão temporária das atividades da escola. Depende, é claro, da gravidade da transgressão. Na sociedade, também funciona desta forma.
Trabalho com duas disciplinas que exigem reflexão, muita reflexão: filosofia e sociologia. Disciplinas, aliás, que foram proibidas durante a ditadura militar, pois o governo não queria que as pessoas refletissem e questionassem. Queriam “alunos”, pessoas sem luz própria, que não fossem capazes de conceber suas próprias idéias. Educadores que trabalhassem de forma diferente eram taxados de subversivos e perseguidos pelo governo.
Hoje temos uma liberdade mais ampla, principalmente liberdade de expressão. Mas para termos ideias próprias, precisamos ser capazes de concebe-las. Elas não nascem do nada. Só concebe ideias próprias quem desenvolve sua capacidade de reflexão, seu senso crítico, quem questiona as informações que recebe, seja qual for a fonte. Caso contrário, apenas repetimos o que ouvimos, concordamos e fazemos de conta que esta é nossa opinião.
Lembro da história de uma mãe que estava com a filha na sombra de uma amoreira, com uma bacia cheia de amoras maduras e suculentas. Mas a filha teimava em colher amoras do pé, ainda verdes e difíceis de serem alcançadas. Coma as da bacia, pedia a mãe. Prefiro eu mesma colhe-las, retrucava a menina.
Quando crianças, somos cheios de questionamentos, de perguntas, de dúvidas. Queremos respostas, mas queremos busca-las, comprova-las. Mas na escola, os professores preferem dar respostas prontas, oferecer as amoras na bacia, sem mostrar de onde vieram e qual o processo necessário para que cheguem até nós.
Ser professor não é fácil, mas ser educador é um desafio, um grande desafio. Principalmente quando as informações chegam tão rápido, mas o conhecimento torna-se cada vez mais superficial e despido de senso crítico. Educar para a vida em sociedade é mais que ensinar a cantar o hino nacional, respeitar a bandeira e seguir as leis, como as antigas disciplinas de EMC (Educação, Moral é Cívica) e OSPB (Organização Social e Política do Brasil), que mostravam a sociedade como ela é sem questionar o que a levou a ser assim.
Precisamos entender que nada na organização social em que vivemos é fruto do acaso. Os problemas que a sociedade enfrenta, a má distribuição de renda que gera miséria e violência, possuem uma raiz, que pode ser transformada. Entender os porquês e tornar-se agente de transformação é um princípio básico da educação.
André Rech ( F. 51 81714119 )
Professor de Filosofia e Sociologia